domingo, 31 de maio de 2009

Casa

  Era uma casa muito engraçada. Tinha teto, tinha tudo. Todo mundo podia entrar nela.

  Era uma casa muito engraçada. Com uma parede azul, uma porta vermelha, um quadro abstrato, que mais parecia um papagaio, outra parede ainda azul com umas gravuras do tio Armando que pareciam pentelhos de mulher. Tinha livros, uma galinha de barro. Eu dormia nela sim, porque na varanda tinha uma rede meio torta que de vez em quando dava uma dor na coluna, porém, quentinha e simpática. Podia fazer pipi, no entanto tinha que esperar um pouquinho (só existia um banheiro).

  Era uma casa muito divertida. Na sexta-feira eu comia uma massa com molho gostoso, tomando, quer dizer entornando, um vinho tinto seco, de preferência Cabernet Sauvignon. Quando tocava o Chico do meu irmão eu dançava, o Blues Brothers do Tropeço eu puxava para dançar, na vez do Caetano eu me apaixonava.

  Era uma casa em que eu tinha um quarto para me diverti (ou não) sozinha. Pintar flores e frases na parede, ver filme, chorar, planejar: uma dieta, o dia de amanhã, dominar o mundo… Podia fazer faxina ou simplesmente dormir e sonhar.

  Era uma casa que tinha um quintal com um coqueiro, uns bagulhos e um sol no sábado de manhã, que era só meu e da Kalú. Acordava bem cedo para pegar ele e ficar preta.

  Ixi! Tinha um vizinho com uma tosse, que todo dia parecia ser o dia da morte. O escarro começava cedinho e nem sei quando terminava, era semelhante a um exorcismo.

  Ao lado direito parentes. Os arrotos do primo e do tio ouviam-se de longe. A voz de comando da prima “Dot, Bela, Malú! Pra varanda, xixi, bora xixi”, seguido de “au, au, au” (histéricos), já tinha virado quase um despertador.  A tia quase não se ouvia, só quando ela chamava a Eliete. Lá os finais de semanas, boêmios, eram regados de música e discursos hilários.

  Era uma casa com uma mãe histérica (“seus merdas, vocês não tem pena de mim. Quando eu morrer vocês vão falar ‘eu matei minha mãe’ ”), maluca (“prontico PI…”) , amorosa (“faz a boneca beijoca”), cheia de planos (“Gabi ta aqui o projeto da nossa casa”) e sábia (ela é antropóloga, arquiteta e professora de artes). Um irmão sarcástico, cheio de piadinhas inteligente (ou não), amado e com a alma mais pura que já conheci. Um padrasto idêntico ao Tropeço da Família Adams, e que como todo bom psicólogo era lento (“Éeeee…”) e meio peculiar. Uma pastor-alemão boba com os donos e caçadora de ratos e pombos. Uma cunhada companheira (“Bora no comércio?”) e imprevisível. Tinha um sobrinho que é o meu bem mais precioso, palhaço igual ao pai. Por fim uma garota “metamorfose ambulante”, que só quer ser feliz… Ah! Já ia me esquecendo. Tinha também visitantes, entre os mais queridos, Domi e Mandoca.

  Era uma casa com muito aprendizado, brigas, choros, reconciliações, beijos, desenhos no pé, muitas cores, aconchegante, bagunçada e com cheiro de incenso e colônia alfazema. Lá aprendi que: “o amor me move, só por ele eu falo” (Dante Alighieri), que “só o amor me ensina onde vou chegar” (não sei) e que “não há nada como o sonho para criar o futuro. Utopia hoje, carne e osso amanhã” (Victor Hugo).

  Era uma casa muito engraçada. Era feita esmero, na rua dos felizes, número 600.

 

 

P.S: Não sei se escrevo no passado ou no presente. Não sei se fez ou faz parte de mim, da minha vida.

 





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